* "ratinhos" de bala-de-banana / sorvete de rapadura



Receita e texto são retirados do livro  "OS SONS DA COZINHA, Evocação de Memórias Através dos Sons Produzidos no Ato de Cozinhar"


fotos: llunkes



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"A mãe fazia cuca prá páscoa na sexta-feira santa. Então, de manhã cedo, ela já fazia a massa e, daquela massa, separada um pouco prá fazê os bolinhos, que nós chamava de "mauschen" (ratinhos), que é uns bolinhos que crescia na gordura. Era gostoso. Nós adorávamos aquilo [...] Isso era costume alemão". (IRENE, O som do fritar: 16m45s).

"Nós tomemo chimarrão e comemo aquele waffel. Nós tinha kerpe (kerb) quando nós tinha isso."  (ILGA, O som da pipoca estourando: 01h01m54s).

"As rapaduras a gente fazia com melado também e com amendoim [que a] gente plantava mesmo, né. Então, enquanto que a  gente fazia o almoço, a gente já torrava [o amendoim] no forninho à lenha. Ou, senão, quando a mãe tirava o pão, a gente enchia uma forma. E, daí, ele tava bem torradinho, assim. [...] Nossa, como era bom. Tempo bom. A gente se juntava de noite e, umas duas, três vez por semana, a gente reunia um grupinho de amigos e primos e parentes. Tomava chimarrão e contava piada e comia pipoca e rapadura". (IRENE, O som da pipoca estourando: 32m58s).



A ideia desta sobremesa teve sua origem nas citações acima. A primeira delas aponta para um costume familiar e regional da semana santa. Ao preparar as cucas para o domingo de páscoa, nos dias que o antecediam, a mãe de Irene (minha avó), antecipando as expectativas infantis, preparava, concomitantemente, os adorados ratinhos de sexta-feira-santa, para a alegria geral da garotada, que, certamente, não conteria seus instintos de pequenos roedores até o distante domingo. 

O waffel, por sua vez, contrariando a sazonalidade efêmera dos ratinhos de cuca, era um costume habitual e regular, presente nos momentos de socialização da família. Criar uma versão dos ratinhos de Irene, a partir da base do waffel, era uma ideia interessante. Entretanto, queria adicionar algum sabor peculiar à massa. 

Recordei-me, então, de um momento especial de minha infância, mais precisamente, das horas que antecediam as anunciadas visitas de meu avô materno. Sabíamos, eu e minhas irmãs, que, a qualquer momento, o bem-humorado-velhinho-dos-cabelos-cor-de-nuvem surgiria na esquina, no entrecruzamento de ruas que ficava a algumas dezenas de metros do portão de nossa casa. Tínhamos a fé pueril de que “o vô Hummes” chegaria com os bolsos estufados de balas de banana para distribuir entre a gurizada, que aguardava ansiosa pelos embrulhados néctares de armazém. Estava aí o sabor da infância que procurava. 

Para o sorvete, um elemento que conferiu contraste térmico aos ratinhos fritos de Irene, a desconstrução da rapadura foi a primeira ideia que ocorreu. A adição do caribenho rum à receita, apesar da aparente discrepância, justifica-se pelo fato deste ser uma bebida fabricada a partir da fermentação do melaço da cana-de-açúcar, um produto abundante e vital para a família, e, por esta razão, nem tão discrepante assim.

(Fonte: OS SONS DA COZINHA - Luciano Lunkes)


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A RECEITA


para o waffel frito (ratinhos)
150 g de bala de banana da colônia
3/4 de xícara de uma boa cachaça ou cognac
100 g de quark, drenado em uma peneira
1 ovo caipira, batido
pitada de noz moscada
1 colher de chá de essência natural de baunilha
pitada de sal
2 colheres de sopa de ,manteiga derretida
0,5 xícara de farinha de trigo peneirada + 2 colheres de sopa, se necessário
1 colher de chá de fermento químico


para o açúcar de cheiro
colheres de sopa de açúcar de confeiteiro
1 colher de chá de canela em pó
1 colher de chá de gengibre em pó


PREPARO
1. Junte as balas e o cognac e leve ao fogo até as balas derreterem e virarem uma pasta homogênea. Acrescente um pouco de água durante o cozimento, se necessário. Desligue e deixe esfriar.
2.  Junte à pasta de banana, os demais ingredientes. Frite os bolinhos em banha não demasiado quente. Escorra e passe-os no açúcar de cheiro. Sirva-os quentes com o sorvete de rapadura.

                                                  
 para o sorvete de rapadura
100 g de rapadura de melado
¾ xícara de rum + 2 colheres de rum (para finalizar)
300 g de creme de leite fresco
5 gemas
4 colheres de sopa de açúcar branco
1 xícara de leite integral
Pitada de sal
1 colher de chá de essência natural de baunilha
1,5 xícaras de amendoim torrado, sem sal e sem pele
Gotas de limão
0,5 xícara de rapadura, finamente picada


PREPARO

1.  No processador de alimentos, bata uma xícara de amendoim, até obter uma pasta grossa e homogênea. Desligue e reserve no processador..
2. Em uma panela, derreta a rapadura com ¾ de xícara rum e um pouco de água, até esta derreter e virar uma pasta grossa.
3. Coloque 4 colheres de açúcar e um pouco de água em uma panela e leve ao fogo para caramelar  Ao atingir uma cor âmbar escura, acrescente o creme de leite ao caramelo e deixe ferver até o caramelo se integrar ao creme. Desligue e deixe esfriar um pouco.
4.  Em uma vasilha, bata as gemas.  Com o auxilio do batedor de ovos, acrescente a gema batida ao creme de caramelo morno, batendo vigorosamente, para não talhar os ovos.  Leve novamente ao fogo e, sempre mexendo, cozinhe até encorpar levemente.
5. Ligue novamente o processador. Acrescente o creme ao amendoim, juntamente com a baunilha, o sal, as duas colheres de rum, as gotas de limão e a rapadura derretida. Desligue e leve à geladeira para gelar. Quando frio, processe na sorveteira de acordo com as instruções de uso do equipamento. Enquanto o sorvete processa, crescente a meia xícara de rapadurinha picada. 


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